Curadoria de Elys Regina Zils
Tradução de Gladys Mendía
Dulce María Loynaz (Havana, 10 de dezembro de 1902 – Havana, 27 de abril de 1997) foi uma poetisa, ensaísta, jornalista e advogada cubana. É conhecida como a maior escritora cubana do século XX, agraciada com o Prêmio Nacional de Literatura (em 1987) e com o Prêmio Miguel de Cervantes (em 1992).
CRIAÇÃO
E primeiro era a água:
uma água ronca,
sem respiração de peixes, sem margens
que a apertassem…
Era a água primeiro,
sobre um mundo nascendo da mão de Deus…
Era a água…
Ainda
a terra não emergia entre as ondas,
ainda a terra
era apenas um lodo mole e trêmulo…
Não havia flor de luas nem cachos
de ilhas… No ventre
da água jovem gestavam-se continentes…
Alvorecer do mundo, despertar
do mundo!
Que apagar de fogos últimos!
Que mar em chamas sob o céu negro!
Era primeiro a água.
AMOR É
Amar a graça delicada
do cisne azul e da rosa cor-de-rosa;
amar a luz da alvorada
e a das estrelas que se abrem
e a dos sorrisos que se prolongam…
Amar a plenitude da árvore,
amar a música da água
e a doçura da fruta
e a doçura das almas doces…
Amar o amável, não é amor:
Amor é tornar-se de travesseiro
para o cansaço de cada dia;
é tornar-se de sol vivo
na ânsia da semente cega
que perdeu o rumo da luz,
aprisionada por sua terra,
vencida por sua mesma terra…
Amor é desembaraçar emaranhados
de caminhos na escuridão:
Amor é ser caminho e ser escada!
Amor é este amar o que nos dói,
o que nos sangra bem lá dentro…
É entrar nas entranhas da noite
e adivinhar-lhe a estrela em germe…
A esperança da estrela!
Amor é amar desde a raiz negra.
Amor é perdoar;
e o que é mais do que perdoar,
é compreender…
Amor é apertar-se à cruz,
e cravar-se à cruz,
e morrer e ressuscitar…
Amor é ressuscitar!
AMA-ME INTEIRA
Se me amas, ama-me inteira,
não por zonas de luz ou sombra…
Se me amas, ama-me negra
e branca, E cinza, verde, e loira,
e morena…
Ama-me dia,
ama-me noite…
E ao amanhecer na janela aberta!…
Se me amas, não me cortes:
Ama-me toda… Ou não me ames.