3 Poemas de Alfredo Gangotena (Equador, 1904-1944)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Em Gangotena, esse movimento de escrever sobre o passado (os Andes que exalam o vapor febril e pestilento) se desdobra primeiro nos sentidos, no corporal. Michaux deve ser lembrado reclamando de falta de ar. Os Andes fazem do corpo um corpo vulnerável, não um corpo dominante. Na poesia de Gangotena, o ser humano não tenta dominar essa natureza hostil, mas essa natureza o subverte. Enfermidade – território – Natureza se relacionam em um olhar onde o ausente é algo que está acontecendo em sua poesia, o ausente (futuro mundo moderno) é reterritorializado naquelas marcas do passado, como angústia, que significa na natureza hostil e no corpo doente também afetado por esses registros. Nesse sentido, pode-se pensar como a escrita de Gangotena – escrita do que não pertence ao ausente – é uma forma de dissidência dos discursos nacionais, pois a terra em sua poesia não forma uma identidade sobre um espaço geográfico, ao contrário, melhor formaria uma fragmentação.

RENÉ GORDILLO VINUEZA


VITRAL

Os santos do portal
admiram a paisagem.
Desdobrem o leque,
pássaros, na borda da curva.
Grinalda na soleira da porta,
lúcidas imagens da igreja:
o ângelus nos traz
as cascatas da brisa.
A rosa desfolha suas pétalas:
conchas, ombros do mar.
Senhor, aumenta os ramos
de seus dédalos sombrios.
Pincel de música no orvalho,
o herbanário contorna o rio.
O batik é a tela que cobre
a corola das prímulas.
Do carvalho ao ramo de buxo
a alma do pintor também viaja
com cabras se entende
e devora placidamente as folhas de acanto.
Vitrais na atmosfera,
são as moedas do papa em abundância.
Amigos, para acudir a Citera,
existem remos melhores?
Ofereço-lhes bolos e pão:
campos quadrados de vales distantes.
Extraia a essência da água
com verdes colheres de alcachofra.
Última chama do candelabro,
o poeta corre por cima da árvore.
Ufa! minha alma está encerrada.
Para as lâminas do fólio
Não se necessita mais do que o próprio bosque
em que cantam os rouxinóis.


PASSEIO PELO TELHADO

A Jules Supervielle

É o frontão do telhado,
órgão de telhas,
cavalete de estrela,
o subterfúgio do sonâmbulo.
Na chaminé
o pássaro bate suas asas como
válvulas de meus suspiros.
Eu vi que você,
por falta de areia,
espalhava espuma
na lagoa celestial.
Subo no zangão
e, como um periscópio,
atravesso a claraboia.
No fundo da alma, escandido, brotou
pingando do sifão,
o movimento.
O dedo índice do homem
empurra os minutos
que impedem o progresso.
No ar interior,
destilado por meus pulmões,
o olho navega aventureiro.
Na órbita, o coração transborda:
eu me inclino para o lado direito.
Porém o eixo do meu desejo coincide
com o fio de prumo.
A bordo de teu piso ondulado,
ilha estéril,
—banhada por um rio de asfalto—,
estendo a vara da minha morte.
Se não cair a lua, e não me acordar,
como uma jarra de água fria:
Você me daria um broto de cebola
para que meus olhos apareçam na sombra?
Ah! Pelo menos me deixe terminar meu poema
antes de chegar ao fim do telhado!


AUSÊNCIA [IX]

Os muros tremem, as folhas também.

Eu te digo, eu te garanto:
Há alguém sangrando aqui.
Alguém que sangra gotas grossas
Pesadas como o ácido enterrado no terrível seio da montanha.
Abra as portas, abra-as!
Deixe o vapor, o mais rápido possível, tomar
A rota de fogo que o levará de volta aos anjos.
Há alguém sangrando aqui.
Se fala contigo: seus olhos, por toda a vida,
abriram em sua noite
Oh, eu te digo, como um fogo
De seivas na floresta!
Bem, ele está condenado, em sua carne, em seu espírito.
E ele algum dia conhecerá
A doçura do céu que se infiltra em nossas pálpebras há muito tempo,
E aquelas brisas de esperança latente
Que abrigam, reclinam as folhas sonolentas?
O mundo em seu coração, em seu espírito
O mundo, para ele, acabou.
Vencido pela vergonha, ele não respira mais.
Está ausente, desaparece,
Não temos mais que confortá-lo.
Misericórdia, no entanto.
Vamos recuar, vamos recuar!
Cores vibrantes de sua testa,
Faz com que digam: “O amor: essas respirações, esses olhares, esses sonhos,
e cada imagem, cada sombra,
e a eterna tristeza em meu cérebro!”
Voltem, voltem, porém,
A teu lar cheio de luz,
manchas de um sol perdido
que enfureces com este filho da miséria!
O raio do alto lhe aproxima seu manto de fogo.
Porém o frio, que congelou todo alimento, é ainda mais tenaz,
Só aquele barulho de areia que voa ao seu lado…
Será o dia, a clareza, a libertação,
Ou então o sopro árido do deserto
Que afunda na poeira
E soçobra conosco?
Eu te digo, eu te garanto:
Há alguém sangrando aqui.
E sua voz, de repente, é esta:
“Já não sei implorar, não consigo mais, estou perdido!
Ai meus joelhos!
Que os extenuaste em apreender os murmúrios, as estações da terra:
Os calvários, a música,
já não estão fartos, muito fartos,
Do calor do meu sangue?
Já não sei rezar, o vento me rasga!
Ó Terra, eis aqui as tuas planícies e montanhas,
Teus cursos de água, tuas florestas;
Porém agora ainda me vês inculto, insaciável…
E mesmo morrendo me relegas à última solidão do mundo.”
— E a estrela imóvel, que a danifica, responde:
“Ah sim, até que o céu te cubra completamente
Com sua purulência e com sua lama!”

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