Curadoria e tradução de Floriano Martins
Vania Vargas (Guatemala, 1978). Poeta e contador de histórias. Graduado em Letras pela Universidade de San Carlos de Guatemala. Publicou os livros de poesia Cuentos infantiles (2010), Quizá ese día tampoco sea hoy (2010), y Los habitantes del aire (2014). Sua obra está incluída nas antologias Microfé: poesía guatemalteca contemporánea (2012) e El futuro empezó ayer: apuesta por las nuevas escrituras de Guatemala (2012). Seu trabalho narrativo está incluído nas antologias Brevísimos dinosaurios (2009) y Ni hermosa ni maldita: narrativa guatemalteca actual (2012). Atualmente trabalha como editora de texto e jornalista cultural.
DO NADA SURGEM CAMINHOS QUE NÃO DÃO EM NADA
criados por nossos passos sem rumo
o ir e vir no mesmo lugar
o impulso colérico / a decisão de ir um pouco mais longe a cada vez
um pouco mais para trás
como se esquecêssemos que viemos do vazio
Abro um novo sulco com meu pé na poeira
e diante da porta mais próxima ela me imita
espera o contato com meus olhos
sai correndo / me pega pela mão
me convida a caminhar
Eu a vejo ao meu lado
é como a mina sombra para além do meio dia
somos o mesmo
caminhando sem pressa em um tempo morto
em um lugar sem tempo
O olhar me procura e sorri como quem desfruta o jogo
Caminhar entre ruínas – esconder-se
falar com os gatos que conservam os escombros é um jogo
e não o aprendi / Isabel
digo com os olhos
não aprendi o jogo onde os vencidos sorriem
Assim / exatamente / é como são construídos
os povos fantasmas
digo com a força com que acomodo sua mão entre a minha
andando e desandando nos convertemos em seu princípio
algum dia nos converteremos em seu final
seremos apenas ruínas sob a terra
escombros em caixinhas de madeira para arqueólogos que não existem
seres imaginados que não saberão inventar histórias para a cinza
e darão a ela o nome de pó e ignorarão que marcamos uma Era até o nada
uma Era que não verás porque estarás sempre aqui
digo com os dentes apertados
Somos parte de uma história que ninguém recordará
cheia de batalhas que duraram anos e vitórias de cinco segundos
onde fomos heróis e inimigos que se matavam uns aos outros
mudavam de bando / punha sua fé em coisas que ninguém mais acreditava
e logo acumularam para o esquecimento
folhas com a crônica de suas derrotas
que esse também é um ofício / digo
enquanto vejo que caminha / tropeça e sorri com timidez
um reflexo com o qual me transfiguro
na medida em que chego ao ponto do caminho
onde mais à frente me aguarda apenas o nada
essa dimensão onde me torno real
e ela se converte no fantasma
ACENDER A LUZ
Por na mesa
tudo que eu trouxe
é uma rotina
Cavando meus bolsos
tirar as horas com cuidado
para que não voem
e escolhê-las
tocar neles / uma por uma / jogá-las
com a ponta dos dedos
em direção à palma da minha mão
e deixar em cima apenas
os momentos mais importantes
A mesa é um dia plano e escuro
e os pontos que restaram sobre ela
espelhos em miniatura
que piscam desde sua pequenez
Ver como os observa / divertido
é uma rotina
melhor dizendo: imaginá-lo e rir
com o que certamente teria sido seu riso
diante dos momentos que me salvam os dias
A única lição vital
que aprendi
durante esses anos
em que insisto
em montar sua imagem
para que quem a leia
a nomeie
para que quem a imagine
lhe dê vida
Agora é a sua vez
seu nome era Alejandro
era meu filho
e de vez em quando
sai para brincar
de meu esquecimento
ELA PAROU DE CHORAR
está deitada
tem os olhos abertos
observa a maneira com que o ar
brinca com a cortina fechada
a percorre / a altera
a transforma em água agitada
Então imagina que caminha
que se soma à sua margem
abre suas dobras aquáticas
com a ponta do pé
e submerge pouco a pouco
em sua escuridão profunda
em sua noite sem fundo
Fecha os olhos
Respira fundo
se afunda
Seu sonho
é reencarnação