Deserto – Poema de Silvia Castro Méndez (Costa Rica, 1959)

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Curadoria e tradução de Elys Regina Zils

Poeta, filósofa e historiadora da ciência. Estudou nas universidades da Costa Rica, Pittsburgh e Saragoça. Suas duas primeiras coletâneas de poemas ganharam o “Prêmio Editorial da Universidade da Costa Rica” e, em 2010, seu livro Agua – publicado por Torremozas, Espanha – foi premiado com o Prêmio Nacional de Poesia “Aquileo J. Echeverría” da Costa Rica. Publicou: Las huestes del deseo (1998); Vértice del milagro (2000), Ruvenal de mil amores: Variaciones sobre un tema de Esopo (2005); Agua (2010); Señales en tiempo discreto (2011); Mester de Extranjería (2015); La náufraga (2019); y Animal aterido (2021). Além disso, tem poemas publicados em revistas e antologias na Espanha, nos Estados Unidos da América, na Argentina e na Costa Rica.


DESERTO

I

Há um poço de arbustos
enterrando as ruínas.
Nem um verde na voz do vendaval
que raspa e sacode a extensão do plano.
Olhamos de longe o degrau do mundo
com sua corpulência em repouso.
O pé desenha apenas sua sequência.
Beijo efêmero,
truncado
Pegada que perdeu suas bordas
sobre a linha do pó.
Tela onde lançar o traço,
onde a letra se afunda como os pés
para lá fenecer
sob o grande rascunho do ar.
Perseguição inútil.
Trama sem fio, a palavra.
Na paisagem hostil
a mão da memória
segura
seu lápis de cal
e deixa tão somente
                   entre o seco
a reverberação de um cacto
com seu pulso espinhoso.

II

O Ebro percorre a planície
como um verso sem pontos.
Há séculos que corroem o canal por onde corre,
lá onde seu nome se entrelaça
com a outra matéria do seu fundo.
O sol desafia as sombras
e uma águia alonga a sua silhueta
para depois cair
sobre a mancha fugidia de um roedor
com o seu rabo de vírgula ou parêntese.
Poema que expande suas margens
quando o meandro desliza a fronteira do limo
e soma seus cardos e detritos
à pedreira de tinta.

III

Monegro é a cor dos desertos.
Um nu de gesso
ergue sua onda quieta
a ponto de cair sobre os carros.
Seu peso sem laringe
jaz atrás de uma cortina de séculos.
Viajantes rebobinam a sede
no asfalto.
Ninguém vê de perfil
enquanto o rádio oculta sua opacidade
de escombros.
Riders on the storm.
Sobre a longa estria,
quatro luas de borracha
lambem
a mancha do silêncio.

IV

Lentos
os dias se desmoronam
sobre as costas do mudo.
Marcam apenas o tremor da pedra
com um grito de escama.
Imenso paquiderme.
Olho árido de margem incomensurável
que sonha com a espuma do seu mar
sem retorno.
Eu me aproximo das bordas com minha urna de peixes
em naufrágio.
Somos dois animais entrelaçados no oposto,
primitivos
como latidos
que não se reconhecem.
Ambos nos descalçamos no sulco do outro,
provamos a substância não caudal das fendas,
lambemos as feridas,
o sangue coagulado
com a aspereza da sílica.
Meus peixes agitam sua umidade em sobressalto.
O último suspiro.
A gota de mercúrio com seu veneno surdo.
Um grande peso de sede toma a paisagem
e acusa
                     na quietude
um mistério de ocres sob pontas de lápis.

V

Há um vasto deserto que não entende meu nome.
Olha para mim
do olho triássico,
onde algum fóssil curvo depositou seu beijo.
Frontão de estuques para coroar os ninhos,
as fendas onde habitam as criaturas do cinza
com seus dentes de farpa.
Luz de ouro das ameias.
Um desejo de horizonte decompõe as sombras
e arrasta a severa retaguarda do derrame.
Pergaminho de espinho para minha voz em verde.
Plano para minha esteira
de umidade
                                             e galope.

VI

Do alto:
minúscula fila de caminhantes.
Suas camisetas vermelhas e azuis
distorcem a inclinação sem brilho do pedregulho.
Solas de borracha
e rachaduras nos calcanhares sobre a esteira de terra seca.
Uma espada
                                         com a lâmina rasante
transtorna os passos deletreados
sobre a linha frágil dos insetos.
Sob bofetadas de poeira
sete vozes desdobram um poema inaudível.

VII

O deserto contém a senectude do mundo.
Foro de despedidas
no pergaminho dos séculos.
Cunhados na pedra
dormem os animais que respiraram,
selos de um tempo que transborda sua escala
e assim imprimem seu paradoxo:
a prisão do murmúrio,
seu rictus.
Um fragmento de marés sem rumores de espuma.

VIII

Dizem que há um lugar em Zacatecas
onde o vento sopra sem cessar.
Inquietante
sístole
contínua
sobre os amarelos do abatimento.
Há paisagens de espelho.
Quarto sem nuvens
para sempre reclinando-se.
Suas ervas como ouriços murchos
na vogal dos ossários.
E este mistral:
giroscópio acobreado da desordem
como uma cabeleira de sibila
que inflige seu clima e sua veemência.
Aroma no pó do cansaço
onde toda a premonição
sucumbe.

IX

Salinidade.
Branca planície
de um oceano retrátil.

X

Espaço
como do não dizer.
Página que se resiste a ser preenchida.
Temperatura talvez,
e uma repetição de ausência.
Rugosidade.
Pedaço de pele lunar.
Tanta estranheza envolta em território.
Tela que aguarda a chegada do vento.
Então
                              tudo
silêncio.

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