3 Poemas de Gina Pellón (Cuba, 1926-2014)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Gina Pellón (1926-2014) foi uma artista e poeta cubana radicada na França, conhecida por suas pinturas retratando figuras femininas e pelo uso de uma paleta de cores forte e variada. Formou-se em 1954 na Academia Nacional de Belas Artes San Alejandro de Havana e foi professor no Instituto Politécnico Velado até 1957. Em 1959, mesmo ano em que Fidel Castro assumiu o poder como primeiro-ministro em Cuba, Gina Pellón foi forçada a emigrar e estabelecer-se em França, onde viveu o resto da vida sem nunca poder regressar ao seu país.

Exilada em Paris conectou-se ao movimento de vanguarda CoBrA, composto por artistas de Copenhague, Bruxelas e Amsterdã. A experimentação pictórica reivindicada pelo grupo influenciou muito o trabalho de Pellón, desde seu estilo altamente expressionista, formas e figuras baseadas em desenhos infantis até sua liberdade de cores. Ela mesma declarou: A poesia já está no meu trabalho. É palpável nos títulos das minhas pinturas e no mundo onírico em que as minhas personagens por vezes parecem flutuar. Eu já havia escrito – e publicado – sob o título: Quando os pássaros dormem meus escritos em prosa poética. Também em revistas especializadas de arte francesas como a Pleine Marge, alguns dos meus poemas foram publicados e traduzidos pelo crítico de arte francês José Pierre. Gina é autora do livro Vendedor de olvidos (2005). Ela recebeu a Ordem dos Cavaleiros das Artes e Letras na França.


DEBAIXO DE TUA JANELA ELES O ENTERRARAM VIVO

Todos reunidos celebram a morte
de alguém que adormeceu sem saber.
Nós de cabelos lhe cobrem o corpo
um espelho negro pende às suas costas.
Cortinas de mármore cobrem as bordas.

Entre duas pessoas que estavam sentadas
um touro aberto passou
arrastando espuma, vísceras e cordas.

O homem parado atrás do armário
continuou seu discurso
blá-blá-blá e blá-blá-blá,
tirava as cópias que dava aos mortos
as letras caíam e eles as recolhiam
novamente colou-as nos papéis.
e continuou falando.

As segundas passaram a ser quinta
as torres se encheram com livros
os móveis foram cobertos com histórias
as mensagens codificadas passaram através de fios de seda.
Alguém trouxe flores com cheiro de
cera.
A névoa permaneceu úmida de rosas
e com as mãos pardas.


ALTERAR A ORDEM

Por um sol à noite que disse adeus
lago de mentiras
Mãos que esfregaram o muro em silêncio
silêncio de espanto
medo
ansiedade do vazio
cidades embrulhadas, gavetas cheias de mãos
Espaços cobertos de prisioneiros
Vultos de mulheres
que aguardam, aguardam arredondadas.
Presídios, prisões, escolas, reclusos, conventos e casas,
cárceres, quartéis
Cavalos vestidos de palha
presídios rosados
chicote… guardiões lentamente
sombra nos corredores, prisioneiros esmagados
roupas amarelas verdes ou roxos, tingias de preto
bordados de sangue
Alucinações de estar à espera
Juízes que adormecem ouvindo o escravo
Passarem os anos contando a areia
Ocultando as águas
Lábio que se rompe diante do cansaço.


VENDEDOR DE AREIA

Uma estrela de bronze caiu do céu
Rolou pela escada, alta como o esquecimento.
Uma frase que não pode ser pronunciada
uma frase dissolvida em calda
Anéis para o vento com unhas de algodão
plantas perversas que aguardam
as competições nas tardes de domingo.
Mesas que se agacham recebendo o tributo,
onde vários amigos disputam o tempo.
É assim que tudo passa sem que nada passe.
Os dias se seguem, o costume se estabelece,
erotismo do campo sob um sol de montanhas.
As danças de agora não têm mais cavalos
porém elas têm os trajes tecidos pelo sonho
e a esperança de não abrir as janelas
para impedir que entre o vendedor de esquecimentos.

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