3 Poemas de Damaris Calderón Campos (Cuba, 1967)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Damaris Calderón Campos (Havana, Cuba, 1967). Poeta, narradora, pintora, professora e ensaísta. Publicou mais de dezesseis livros em vários países, incluindo Cuba, Chile, Alemanha, Espanha e México. Entre eles: Sílabas. Ecce Homo, El remoto país imposible, Duro de roer, Los amores del mal, Parloteo de Sombra, El arte de aprender a despedirse, Duras aguas del trópico, Las pulsaciones de la derrota e El tiempo del manzano. Participou de festivais internacionais de poesia na Holanda, França, Uruguai, Argentina, Peru, México, entre outros países. Parte de sua obra foi traduzida para inglês, holandês, francês, alemão, norueguês e servo-croata e incluída em inúmeras antologias de poesia contemporânea cubana e latino-americana, incluindo: Otra Cuba secreta, Antología de poetas cubanas del XIX y del XX, Editorial Verbum; La poesía del siglo XX en Cuba, Colección Visor; Cuerpo plural, antología de la poesía hispanoamericana contemporánea, Editorial Pre-textos, España; Poesía cubana del siglo XX, Tierra Firme. Fondo de Cultura Económica, México e Jinetes de aire, Poesía contemporánea de Latinoamérica y el Caribe, Ril Editores, Chile. Em 2011 recebeu a bolsa Simon Guggenheim. Em 2014 recebeu o Prêmio Altazor para as Artes, no gênero poesia, no Chile e o Prêmio de melhor obra publicada pelo Conselho Nacional do Livro e Leitura, e em 2019 o Prêmio Pablo Neruda por sua trajetória, pela Fundação Neruda, Santiago do Chile. Vive no Chile desde 1995.

***

Despertar a criação e a paixão em quem lê por aquilo que lê. O ensino literário, por um lado, preserva, transmite, mundos e vozes fabulosos, de uma tradição sem a qual a vida se torna muito mais pobre. Por outro lado, acredito que o aluno deve ser estimulado a criar uma semelhança com o que lê. Acredito que o ensino literário não deve ser mutilador. Conheci professores que se tornaram grandes estudiosos, mas que nunca ousaram criar por devoção aos modelos e autores que ensinaram. Eles também faziam com que essa devoção caísse como um peso de ferro sobre o aluno: “Se Homero já escreveu, como você se atreve? Se Joyce, Kafka, Virginia Woolf já fizeram isso”… fazendo com que se sentissem pouco menos que um rato. Não, ensinar deve ser estimulante. Você deve tirar o melhor proveito de quem ensina e de quem aprende (e ambos ensinam e aprendem). E deve ser alegria, entusiasmo, paixão. Se você não acredita no que ensina, vá embora, se não puder transmitir mais do que suas frustrações em uma sala de aula, vá embora.

DAMARIS CALDERÓN CAMPOS / Fragmento de entrevista concedida a Ernesto González Barnert


PARA FECHAR OS OLHOS

Toda a minha vida sonhei com cavalos.
Ser um cavalo.
Cornos de vento.
Ancas de vento.
O vigor dos potros jovens.
Agora que vou morrer
deixem-me ver os cavalos novamente.
Quando a língua se desfaz
sem palavras ou terra a pronunciar.
Quando a espuma deixa aos meus pés
um cerco efêmero
e tudo é apagado pelas águas
varrido pela névoa
deixem-me ver os cavalos novamente.
Uma corrida.
Outra corrida.
Nenhuma corrida.
Quando a macieira é a memória da macieira
sua casca.
deixem-me ver os cavalos novamente.
Puro vigor.
Puro desejo animal.
O macho monta a fêmea.
Morde o pelo.
Dobre as patas.
Ele a penetra.
Escuto o relincho.
Tremo mais do que grama úmida.
Vencida.
Despojada do hábito de ser humanos
deixem-me ver os cavalos novamente.


MINHA CABEÇA ESTÁ EM OUTRO LUGAR

Literalmente:
fora do caminho.
Como o ferido
convalescente que
não pode ser
levado nos ombros.
Monsieur Guillotind
inventou uma máquina
para separar
a cabeça do corpo.
(A cabeça cortada
contempla as coisas tais como são,
o Presente puro, sem qualquer significado,
sem topo nem fundo,
simetria ou figuras.
Sem desespero.)
Rápida e eficiente
como o racionalismo.


SÍLABAS. ECCE HOMO

Falar do pássaro falante
tagarela empoleirado em um galho
cantando (como diria Juan Luis Martínez)
em passarinhez.
E o homem é uma lápide
um quarto escuro, uma cadeira vazia
e uma lâmpada.
Aquele que se aproxima da lâmpada
pode encontrar uma saída
(ou a ilusão de uma saída).
Há alguma saída para fora
ou todas as saídas são para dentro,
para o reino da raiz?
Afundar como Virginia Woolf
com bolsos cheios de pedras no rio.
Aqui está o verdadeiro ganho.
Que nadadores de superfície não alcançam.
O otimismo é uma bandeira a meio mastro
mas ostentava com júbilo.
Um consolo ou autoconsolo:
“Eu me levantei do meu cadáver e fui em busca de quem sou.”

Assim como corta o cirurgião,
as sílabas se partem.
Carne da cisão,
cisão da carne.

Um pássaro veio com a cabeça vendada
uma lasca da terceira guerra mundial
Apollinaire cantando em uma gaiola
os tetradracmas de ouro de Ezra Pound.

Como a lebre no terraço,
a palavra na língua.
A angústia salta o perímetro
e corre pelos telhados.

 

 

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