3 poemas de Hugo Mayo (Equador, 1895-1988)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

As escolas de vanguarda, sejam elas chamadas futurismo, dadaísmo, surrealismo, creacionismo ou ultraísmo, não criaram uma geração na nossa literatura; Assim, Hugo Mayo não é apenas o porta-estandarte da sua fidelidade aos emblemas codificadores, das suas estruturas iconoclastas, do seu tom lúdico, mas também aquele que com maior responsabilidade, autocrítica e persistência conseguiu dar ao Equador um espaço nas literaturas de vanguarda em nosso continente linguístico. Carrera Andrade e Gonzalo Escudero nunca foram vanguardistas como afirmam certos “estudiosos cabeça-chata”. Que a vanguarda riscasse beneficamente os seus textos de vez em quando e que em alguns aspectos alimentasse os seus estilos pessoais com seiva renovada, é outra coisa. Gangotena, por outro lado, é vanguardista-simbolista, suas engrenagens lexicais e sua atmosfera criativa obedecem aos seus luminosos abismos existenciais e à sua formação cultural estrangeira.

[…]

Seu trabalho no Equador não teve a devida divulgação ou estudo. É possível que a falta de preocupação do próprio Hugo Mayo em não reunir seus textos em livro ou livreto possa ter influenciado em parte nessa demora prolongada. Seus poemas espalhados em revistas e jornais aqui e ali davam conta de sua atividade transgressora com os estilos de seus compatriotas, mas nenhum estudioso ou crítico ousou classificá-lo dentro de suas brilhantes rebeliões. Isaac J. Barrera, nosso maior historiador do processo literário, não poderia de forma alguma fazê-lo, visto que sua formação e convicção sobre a estética literária nem sequer simpatizavam com as da vanguarda. Por isso ele mal menciona e dá notícias sobre sua revista Motocicleta, o núcleo não entra em sua oficina apreciativa.

RODRIGO PESÁNTEZ RODAS


FUNERAL DO PAPAGAYO K

Para José María Egurén

Na colina dos limoeiros
Oitenta e sete papagaios o enterraram.
Eu também.

Por caminhos tortuosos de campos de milho secos,
com perturbadores espantos distantes.
Eu também.

Com a gravidez clandestina de cabras marrons,
e o piscar de alguns patos selvagens.
Eu também.

Na colina dos limoeiros
oitenta e sete papagaios choraram por ele.
Eu também.

Sob uma garoa úmida, angustiado.
Ouvindo o canto dos grilos selvagens.
Eu também.

Enquanto dois cabritinhos fugiam atordoados;
e um sapo velho parecia triste.
Eu também.

Entre a fumaça de algumas pastagens
e o mugido fúnebre de um boi.
Eu também.

Da colina dos limoeiros
Oitenta e sete papagaios retornaram.
Eu também.

Com o ventinho que esconde o plantio.
Por caminhos que o lenhador abriu.
Eu também.

Trazendo o silêncio do burrico paciente.
Fornecendo acomodação com profundo pesar.
Eu também.

Com espinhos de pequenas alcachofras.
Um bonitão deitado na sombra negra.
Eu também.

Para o morro dos limoeiros
Oitenta e sete papagaios vão às terças-feiras.
Eu também.


DESIREE LUBOWSKA

Molinete hidráulico.
Naufrágio na visão irresistível.
Curva no horizonte.

Espiral enigmática
que descontorce a escuridão
em hélices multicoloridas…
Célula da Loucura da Corda

Logaritmo assombrado
em um espasmo oceânico.
A dança encontrou seus pêndulos
em teus seios vibracionais…

Toda a equipe
se multiplica com teus dorsos troncudos.

O declínio de teus olhos
pluraliza o convite à tua órbita
de nudezes voltaicas.

Amálgama
com o vazio.

Maré alta
transbordada pelo maremoto dos ritmos.

Ebulição
no panorama da musicografia.

Clave única
no noviforme sensualismo astral.

Tempestade dispersa:
o ímã de teus pés
altera o curso dos hemisférios…


A DENTADURA E O AMOR

As coisas são assim, temos que aceitá-las
mesmo se pescarmos sem querer
um pequenos resfriado
Que diálogo de beijos

poderia mudar a dentadura
diante do amor que arde
Ponto final, é verdade
se alguém logo empresta a sua
Os dentistas vão fechar
suas clínicas com este anúncio
“Aluga-se dentaduras de burro”

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