3 Poemas de Janette Becerra (Porto Rico, 1965)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

No panorama literário de Porto Rico hoje, Janette Becerra é tida como uma das autoras mais premiadas, ao mesmo tempo que surge entre as mais destacadas, não pelos inúmeros prêmios, que não necessariamente garantem qualidade, mas por certos atributos de seu canteiro de obras. Este, além de bem travado, surge como um objeto raro, alheio ao panorama de onde se escreve, tão dado à tentativa de promoção do local, ou tão ocupado com a exploração de questões identitárias. Tanto Luis Felipe Díaz – crítico que se aprofundou na obsessão local de narrativizar o nacional – como Elidio LaTorre Lagares – poeta, narrador e editor –, afirmaram em suas resenhas do livro de contos Doce versiones de soledad que Becerra deveria ser incluída a partir de agora nas antologias da grande literatura latino-americana atual, ou mais humildemente, como modelo da arte do conto na contemporaneidade de Porto Rico. A feitura de suas histórias, como muitos dos personagens que nelas aparecem, fazem com que pareçam pequenos prodígios ou joias, como o poeta Javier Ávila os chama na contracapa de Doce versiones.

JUAN PABLO RIVERA


DELÍRIO

Ultimamente se tornou um problema
ir ao mercado ou aos centros comerciais,
às melancólicas lojas dos correios
ou ao colégio de crianças, às horríveis
reuniões da faculdade, que persistem,
às bodas, aos sinistros aniversários,
aos velórios, aos batismos, ou enfim,
a qualquer parte onde a gente se reúna,
porque não sei com que tato enfrentar
esse caso de delírio coletivo
de que insistam em me tratar
como eu ali estivesse.


– DE CARMEN –

Eu não me chamo Laura;
recorda meu nome;
canção igual à do delírio.
Eu não me chamo Laura
nem me apelidam minha:
recorda, se bem sabes,
de meu nome que sabias,
dirige-te por meu nome
a quem esculpes em verso.
Que eu não me chamo Laura:
Recorda de meu sim,
de minha boca e cintura,
ampulheta e loucura
escorrendo a teu encontro
com meu nome verdadeiro,
com meu verdadeiro metro
de oito sílabas de alma,
e retira-me a aura ingrata
se me quiseste por mim.
Eu não tenho o marfim
nem rosas ou esmeraldas
que costumam ter as Lauras
nem meu abandono era meu,
ou meu era o deslize.
Cuidado, que são as Lauras
de tinta péssimas amantes.
Cuidado, que ressuscitam
os poetas passados.
Porém se é muito te pedir
que de algo recordes,
recorda sim três coisas:
que eu não me chamo Laura,
que eu me perdoo sozinha
e que eu também te perdoo.


EL OTRO

Me comprou flores
um ingresso para o teatro
vários copos de vinho
boas doses de sushi
um perfume Chanel
uma passagem para Paris
um balcão na ópera
um anel de diamante
Um carro esporte
uma casa na praia
um terreno na lua
e um Picasso azul.
Porém um dia indagou
o que me faria feliz
e eu não tive
mais remédio
senão lhe dizer.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!