3 Poemas de Liliana Lukin (Argentina, 1951)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Liliana Lukin (Argentina, 1951). Desde 1978, publicou 18 livros de poesia e foi traduzida para alemão, francês, polonês e inglês. Autora de ensaios, crônicas e antologias, coordenou oficinas de redação de 1980 a 2000. Criou, entre outros, os Encuentros de Escritores. Narrativa Argentina, Centroimargen: Fiestas Patrias y Matrias; de 2007 a 2012 as Jornadas Cuerpos Argentinos; e, de 2004 até 2015, a Clínica de escritura poética de la Biblioteca Nacional, onde fundou a Ed. LaBiblioteca e Colección miliuna, que publicou 21 livros. Professora de Letras e de Crítica de Arte na Universidade Nacional das Artes, desde 2009 é professora visitante com seminários sobre Representação do corpo na tortura e na repressão. Narrativas Argentinas 1970-2000, Archivo de autor y Discurso amoroso, na universidades de Jerusalém, Sorbonne3, Universidade Autônoma de Barcelona, ​​Graz e Leuven. Outras publicações: www.lilianalukin.com.ar/inicio.


SEMENTE

Mamãe soube nos deixar sozinhos
e nada que eu escreva agora
será como ter sabido partir

(o suficiente é sempre pouco
um só copo não mata a sede
quando o difícil é beber)

Mamãe pôde conosco
e do acúmulo fez nossa solidão


CARTA XVI

minha querida: os homens nos invejam o penetrante
jogo de intimidades sucessivas: ensurdece-os
o murmúrio das pombas que mudamos
insones e plenas acima de toda obrigação

invejam a obscenidade dos nossos jogos
contar e chorar como filhas da mesma mãe
(que teríamos compartilhado banheiros e camas)
ou como mães prestes a dar à luz (quase nuas
e falando de uma dor parecida)

os homens sabemos nos invejam
o impenetrável clima do riso oblíquo
(como amiguinhas na hora da sesta no saguão)
e essa falta de vergonha em nos mostrar as feridas
ou de se vestir ou acariciar a alma juntas
eles não sabem como fazer para nos
distrair de nós chamar nossa atenção
é sua paixão e seu calvário: tão fortes
somos em nosso pacto a razão de seu desejo

se desesperam de nós pobrezinhos
e amados como o outro de nós suspeitam:
a insuficiência dessa forma de amar

eles gostariam de ser uma de nós e nos invejam
o impenetrável (o que ficou do adolescente que se deixa
tocar sem perder nada) esse poder de onipresença
que nos reconcilia com o inferno em um salão do paraíso

nesta luta pelo amor de cada dia
eles não sabem da nossa necessidade e nos invejam
e embora juremos a eles que são essenciais para nós
saberão que nessa frase há uma armadilha:

ser o outro de nós não é muito
e sempre vão querer ser mais uma


[REABRIR A FERIDA FECHADA QUE É O LIVRO]

reabrir a ferida fechada que é o livro,
raspar, que as bordas sangrarem novamente,
que se assemelhem a lábios irregulares,
que a carne por dentro sempre escura mostre
sua umidade, sua abertura feroz,
as famílias como fábricas de loucura,
seu amor, incompassível e certo

por que falar sobre como éramos belos
e fortes, por que fazer relatos
fracos em sua própria semântica
de melancolia?
Nas brasas dessa chama vê-se que fomos
felizes, que já sofremos o suficiente e até
demais, e é evidente
no ricto de sua boca,
que nunca é suficiente
que não é uma palavra
adequada para ninguém
que nada, nunca é suficiente

não teremos paz
porque fomos
felizes e nós não fizemos
o suficiente, temos
sido felizes, e
essa palavra não perdoa

como em outros encontros,
o tempo faz parte do amor.

Às vezes tento estar com ele,
frente a frente,
no silêncio puro
de quem vive em silêncio

acho que emito ondas,
energias de improvável efeito,
como quem pede, muda,
que um dar se manifeste

estar na sua frente, entrar
em seu silêncio como quem,
entrando em outro corpo,
com delicado dom o invade

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