Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils
Poeta, escritora, professora e jornalista, fez parte da geração literária dos anos sessenta. Pertenceu ao grupo de escritoras que, a partir do movimento de libertação feminina, redefiniu a mulher e o seu espaço social e íntimo. Aborda, diretamente e por meio da linguagem cotidiana, temas tão variados quanto as mazelas sociais, a decadência da burguesia, o consumismo e a vivência amorosa e sensual, entre outros.
Olga Nolla Ramírez de Arellano nasceu em 18 de setembro de 1938, em Río Piedras. Completou seus estudos secundários em Mayagüez e continuou sua preparação acadêmica universitária no Manhattanville College, em Nova York, onde concluiu o bacharelado em Ciências Naturais com especialização em Ciências Biológicas, em 1960. No entanto, devido ao seu amor pela literatura e apoiada por sua prima, a também escritora Rosario Ferré, em 1987 empreendeu-se em um mestrado em Estudos Hispânicos na Universidade de Porto Rico, Campus Río Piedras.
Em 1972, juntamente com Rosario Ferré, começaram a publicar na revista literária Zona de Carga y Descarga, que circulou até 1975. Nela colaborou como poetisa, autora de prosa narrativa e crítica literária. Publicou sua primeira coletânea de poemas, De lo familiar (1973), na qual denuncia o caos social e espiritual que reina na sociedade e no indivíduo porto-riquenho. Posteriormente publicou: El sombrero de plata (1974) e El ojo de la tormenta (1975), que apresentam um repúdio aos valores que representam a classe burguesa do País; Em Clave de sol (1977), a poeta centra-se num eu intimista, exaltando a expressão do sentimento e do gozo sensual.
A autora também escreveu para vários jornais da ilha: Claridad, El Mundo e El Nuevo Día. Publicou em várias revistas como: Mairena, Sin nombre, Caribán e a revista Cupey da Universidade Metropolitana de Cupey (UMET), que dirigiu em 1987 a 1997. Nessa universidade, trabalhou como roteirista do Centro de Estudos Televisivos — atualmente conhecido como Serviços de Educação a Distância — e como professora de espanhol e Humanidades. Além disso, atuou como editora da revista Palabra de mujer, órgão representativo da Federação de Mulheres Porto-riquenhas à qual pertenceu de 1976 a 1977.
Nolla aventurou-se no gênero do conto em “Besitos de coco”, publicado pela primeira vez em Zona de Carga y Descarga em 1973 e “En esta casa no puede haber polvo” reunido no número antológico da revista Sin nombre, dedicado ao conto porto-riquenho, em 1975. Ambos contos mostram a decadência da burguesia islenha. A segunda história também explora o tema feminista. O conto “A Princesa e o Menestrel” apareceu em sua coleção de poemas Clave de Sol que, embora escrita no estilo da literatura infantil, apresenta alegoricamente a condição da mulher em Porto Rico na década de 1970. Em 1989, ela publicou seu único livro de contos intitulado Porque nos queremos tanto.
Retomou o gênero poético com a publicação, também em 1989, de Dafne en el mes de marzo. Seguiram-se as coletâneas de poemas Dulce hombre prohibido (1994), El caballero del yip colorado (2000) e Únicamente míos (2000), vencedor do Prêmio Internacional de Poesia Jaime Sabines 2000.
Em 1992, foi a vez de se incursionar no romance com a publicação de La Segunda Hija, que recebeu o primeiro prêmio na categoria de romance do Pen Club de Porto Rico, em 1994. Este romance foi objeto de polêmica dentro do Departamento de Instrução Pública de Porto Rico por sua maneira aberta de lidar com a sexualidade adolescente. Em seguida, publicou os romances El castillo de la memoria (1996) e El manuscrito de Miramar (1998).
Olga Nolla faleceu em Nova York em 30 de julho de 2001. Seu romance Rosas de Papel (2002) foi publicado postumamente.
[Fonte: Gran Enciclopedia de Puerto Rico]
E ENCOLHI OS HOMBROS
Hoje às duas e meia da tarde
o quintal do meu jardim em ruínas
era o paraíso mencionado na Bíblia.
Não tive dúvidas disso
ao sentir as carícias da brisa e do sol
em meus braços e costas.
Os pássaros cantavam no alto nas árvores
e as flores exibiam suas cores
pavoneando-se.
Quando me aproximava, as lagartixas não fugiam.
Em vez disso, me olhavam estupefatas,
quase desafiantes.
Não hesitei em provar a maçã madura
que o Diabo me oferecia.
O vi chegar vestido de cantor de rap:
calça nos joelhos e tênis,
boné com viseira para trás.
Não tive medo.
Seu sorriso era tão doce e
tão simpático.
Outras vezes eu o odiei.
Atirei pedras nele.
Encharquei ele com a mangueira
e o persegui com a vassoura.
Mas hoje uma quinta-feira do mês de maio
meu pátio era um sonho que se impunha ao mundo
e flocos de luz cobriram as folhas;
as paredes em ruínas
eram permeadas por seus raios
infinitamente frágeis.
Fitei o diabo e não quis
atacá-lo novamente.
Aceitei a maçã, que era vermelha
como ilustram os pintores
do Renascimento europeu.
Provei e era suave
então tive pena
do Diabo e seu destino.
Tudo o que ele queria que eu fizesse
parecia tão tedioso.
Nada se compara à luz e à brisa
entrelaçadas sobre minha pele,
hoje às duas e meia da tarde
no meu jardim fechado entre muros antigos.
Olhei para ele com tristeza e encolhi os ombros
ele se foi maldizendo rua abaixo
com o rabo entre as pernas.
EM UM HOTEL EM ARECIBO
Na praça de Arecibo há um hotel
que se sobe por um estreito elevador
localizado entre duas lojas de departamento.
Sapatos e bolsas e roupas masculinas, acho
e na outra vitrine
colares e cintos de neon.
Na praça de Arecibo há um hotel.
Subindo ao terceiro andar de um edifício de três andares
há um grande salão com tetos altos
iluminado por pequenas lâmpadas General Electric.
Um homem muito cansado come arroz e feijão
em um “recipiente” de margarina Parkay.
Um homem cinquentão com mãos gordurosas e olheiras profundas
comendo
atrás do balcão de um escritório de um hotel.
No meio do salão há alguns móveis
de tecidos desbotados e vime verde
e uma pequena televisão.
Alguns idosos cheios de silêncio
observam a tela reproduzir arranha-céus
sirenes da polícia
e carros computadorizados.
Da longa sacada avista-se a praça
noturna e vazia
a igreja esbelta e branca
e árvores negras.
Ao longe se dispersa
o sussurro do mar do norte.
Na praça de Arecibo há um hotel
que se sobe por um estreito elevador
É pago antecipadamente
$ 21,50 para um duplo.
As janelas dos quartos estão fechadas
e um cheiro de desinfetante barato
satura o ar.
Neste hotel na praça de Arecibo
colchas empoeiradas e rasgadas
altos tetos enormes e vazios
paredes rachadas e pequenas lâmpadas
amei desesperadamente um homem
que já esqueci.
AMOR DE LONGE
Fizemos amor na mesa da recepção
de um hotel europeu.
Seu sorriso me penetrava nos olhos e se instalava
na boca do meu estômago.
Sua voz acariciava meus tímpanos
mordia minhas orelhas, lóbulos, pescoço,
me chupava
as pontas dos mamilos.
Fizemos amor de longe,
cercados por pessoas que entravam e saíam para a rua;
Seu olhar
beijava minhas entranhas, me recorria
de ponta a ponta
como uma boca sedenta,
como uma língua ansiosa.
Te imaginava com o sexo ereto e duro, duríssimo
sob uma calça de linho cinza.
Nós nem mesmo demos as mãos
nem se quer
beijou minha bochecha ao me cumprimentar.
Fizemos amor com palavras
com os tons e nuances que a linguagem alcança,
apenas com os gestos do corpo e do cabelo,
apenas com os sorrisos entrelaçados
como trepadeiras com flores transparentes.
Foi como fazer música.
Poderia ser em Paris e poderia ser em Roma,
em Londres, em Nova York ou em Frankfurt.
Fizemos amor na mesa da recepção
de um hotel…
Sem nos tocar.
Apenas olhamos um para o outro e nos movemos
contando histórias de amor e morte.
Quem disse que o cérebro humano é um órgão sexual?
Mas isso não explica o suficiente.
É muito mais do que isso; que alegria…