4 Poemas de Alicia García Bergua (México, 1954)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Alicia García Bergua nasceu na Cidade do México em 9 de setembro de 1954. Estudou Filosofia na Faculdade de Filosofia e Letras da UNAM. É poetisa, ensaísta e também trabalhou por pouco mais de 40 anos como editora, tradutora e redatora de textos de divulgação científica. É autora dos livros de poesia Fatigarse entre fantasmas (Ediciones Toledo, 1991), La anchura de la calle (Conaculta, col. Práctica Mortal, 1996), Una naranja en medio de la tarde (Libros del Umbral/ Pablo Boullosa, 2005); Tramas (Calamus-INBA-Conaculta, 2007), El libro de Carlos (Ed. Juan Malasuerte, 2007), Ser y seguir siendo (editorial Textofilia 2013)) e Canciones en voz baja (Bonilla Artigas Editores, 2021). Também é autora dos livros de ensaio Imersões (Dirección General de Publicaciones, UNAM, 2009), La lucha con la zozobra eLa libertad bajo palabra en los poetas Xavier Villaurrutia, Gilberto Owen, Jorge Cuesta y Octavio Paz (Universidad Autónoma de Nuevo León, 2022). Foto da poeta: Moramay Kuri.

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“O neurólogo Antonio Damasio diz que as emoções fazem parte do cérebro e os sentimentos fazem parte da mente. As emoções são as respostas contínuas que damos às mudanças fora e dentro do nosso corpo. São manifestações orgânicas em diferentes níveis. Por outro lado, os sentimentos são uma etapa posterior, na qual a mente interpreta e discerne, em grande parte inconscientemente, as emoções que nos dominam e, assim, monitora e traça mapas de nosso estado corporal e, em geral, mental e sensorial. Uma parte dessas interpretações e percepções será perfeitamente transmissível em um nível geral de linguagem compartilhada, mas para transmitir a outra parte, a especificidade do que cada um sente, as pessoas terão que fazer um trabalho adicional para expressá-las e tornar evidente sua singularidade. O mecanismo dos sentimentos, segundo Damásio, também contribui para a tomada de consciência da própria identidade, sem a qual não se pode conhecer nada nem ter noção de si. Os sentimentos para ele não são um processo passivo, mas ativo, por meio do qual as pessoas interpretam suas emoções como próprias. A poesia contemporânea, como diz Damásio, seria um exercício ativo de sentimentos a partir do qual o poeta reconstrói seu mundo. As emoções vão do que é sofrido ou sentido ao que é construído e reconstruído ativamente com a linguagem.

Penso então no poeta como um contínuo reconstrutor de si mesmo em contato com o mundo ao seu redor, como todos os seres vivos da Terra, cujo material genético está projetado para responder continuamente aos desafios do meio ambiente. Talvez por isso seja o poeta quem mais percebe a fragilidade e a grandeza desse espaço que abarca a própria identidade, quem mais amplia desinteressadamente o seu horizonte e, por conseguinte, o horizonte vital de todos os indivíduos.”

Escolhi deliberadamente esta parte de um ensaio do meu livro Immersions, publicado em 2009, porque este é um tema a que voltarei num futuro livro de ensaios devido às mais recentes descobertas de Antonio Damasio e Mark Solms sobre o caráter puramente emocional da consciência. A inteligência humana tem uma base emocional que carece à inteligência artificial, e é essa base que desenvolve amplamente a poesia. T. S. Eliot já dizia isso, por exemplo, ao apontar a grande gama de emoções que surgem na poesia do Ocidente a partir de obras como a Divina Comédia.

ALICIA GARCÍA BERGUA


Este edifício é um navio no oceano,
Fica flutuando à tona nesses dias
quando a maré de automóveis sobe.
Em um como este
começou a avançar minha vida.
Ainda sinto falta do barulho do bonde
era melhor que esse ruído ensurdecedor
de alto mar que faz a rodovia.
Naquela época, os edifícios eram como ilhas
e um mundo inteiro se movia neles,
cada departamento era a sua história
e seu cenário:
a casa da minha avó, sua oficina de costura,
a vizinha e suas gaiolas de pássaros,
o pequeno zoológico do andar de cima,
casas limpas como xícaras de chá
de mulheres sozinhas,
os apartamentos vazios de dois gananciosos,
a lata de lixo
e uma aldeia de gaiolas para pendurar no telhado.
Agora teria medo de entrar no prédio,
ainda há algo em mim
que mesmo agora corre escadas abaixo
ouvindo os barulhos,
sentindo os cheiros.
Há algo em mim que espera
na sacada daquele prédio
este futuro distante do que tenho vivido.
Esperava viajar,
me perder nas avenidas
e ainda assim sinto
como apoio meu queixo no corrimão
quente ao meio-dia
e olho para o mesmo mar com edifícios.


Os pensamentos ultrapassam meu contorno,
apenas as paredes os contêm,
sou uma pessoa que se deixa levar
pela trama da mente.
Quando acordo, algo me traz à superfície,
obriga a agarrar-me às margens,
a crer que sou eu quem recorda
a delirante viagem por uma escuridão
que não é a noite,
nem mesmo um abismo
que possamos espreitar
assumindo a vida uma ladeira.
Por esta escuridão sempre ao contrário,
por sua falta de bordas e trilhas precisas
vamos desvendando
até querer nascer todos os dias
para nos recuperar.


Olho para uma foto da minha mãe menina
e me lembro de uma minha.
É um gesto que nos aproxima.
Em mim só se amplia e reverbera.
Nos acompanha naquela escuridão
pela qual passam pais e filhos.
É que a certo momento do caminho,
depois de desejar nos dispersar,
voltamos a encontrar-nos nesse ponto
de apenas querer ser o que já somos
e procurar a árvore familiar
que nos fez diferentes.


Casal à intempérie

Continuam dormindo nos bancos
talvez estivessem acordados
uma boa parte da noite
quando a praça é deles
e a igreja protege com sua sombra da qual não precisam mais.
Ao despertar, sentam-se com suas bagagens
como se esperassem em alguma estação.

Depois do meio-dia vão para a outra praça,
aquela que não tem igreja;
caminham por ela como se estivessem em sua casa.
Lavam-se, penteiam-se na fonte;
nós que passamos por ali, fingimos que não estão,
que suas vidas se passam em outro lugar,
como em uma outra dimensão
que toca levemente com a nossa.
São um dia remoto
que veio para ficar,
uma intempérie que muitos de nós já carregamos no fundo.

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