4 Poemas de Soleida Ríos (Cuba, 1950)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Soleida Ríos nasceu em Santiago de Cuba, em 1950. Ela dedicou mais de trinta anos a nutrir um robusto Archivo de Sueños. Ríos publicou El libro de los sueños (1999) e Antes del mediodía: Memoria del sueño (2011). Escreveu vários trabalhos experimentais aclamados que transcendem o gênero, incluindo El libro roto (1995 e 2002); El texto sucio (1999); Livro cero (1998); Fuga , uma Antología personal (2004); Secadero (2009); Escritos ao Revés (2009 e 2011). Ríos ganhou o Prêmio da Crítica Literária por seu Aquí pongamos un silencio (2010), assim como também ganhou o Prêmio Nacional de Poesia Nicolás Guillén e o Prêmio da Crítica Literária por Estrías (2013 e 2015). Ríos escreve que quer “plantar uma floresta de poesia cubana, uma floresta real (uma árvore para cada poeta, vivo ou morto) que possa nos dar refúgio, outra forma de respirar”. Soleida Ríos é uma brilhante e inovadora poeta de quem se conhece muito pouco em português.


[Nem Rainha]

a Lorenzo García Vega, in memoriam
a Mario Rivas

Nem rainha
nem Vermelha
nem Sagu
nem Silvestre ou de Monte
nem Palma Thrinax
nem Thrinax Multiflora ou Sumaúma
nem Thrinax Paviflora
nem Thrinax Rígida
nem Thrinax Lejeye
nem Urania ou Rabanela
nem Vitchi
nem Arenga Sacarífera
nem Yarey
nem Yeaiba ou de Guiné
nem Yuma (não descrita)
nem Yuraguano
nem Palma eriçada
nem Sem Espinhos
Palma de Seda (Real). Em Imías
Roystonea lenis León.
as palmas oh as palmas deliciosas
*
oh essa palma negra…
*
a palma sozinha, sonhando
livre e sozinha

Mesas telhados bengalas catauros charutos…
para tabaco de corda
cachos de palmito: miolo e coração nutritivos
fruta oleosa. Eu
palma de seda, elevada, coroada, descalça, desarmada
flores sésseis, folhas pinnatisectas…

Quem define o preço de uma palma?
Quando?


UM POUCO DE ORDEM NA CASA

Para minha irmã Olivia

Está escuro e balança.
Meu pai, o pai de quem tudo procede
mentiu para mim?

Eu dizia se me viro, se recuar
eu morro.
Eu vi as pessoas gritarem, eu vi as pessoas
morrendo, com pão seco
mas dando vivas sinceros
em suas casas de tábuas remendadas
caídas já de frio e dessas vivas.

Eu vi as pessoas, essas pessoas eram eu
minha mãe
meu pai louco em um quarto enlouquecido
o pai do Renté que não aparece no mapa-múndi
nem em dicionários nem em colóquios internacionais.
Esse que eu digo não está vivo nem morto.
Eu o coloquei para secar.
As moedas mensais lançadas por esta minha mão
que não é minha nem mão de ninguém
à fúria do vento e ao caminho de El Triunfo.
Me mandaram, vá e jogue-as fora.
Joguei o que era meu.
Ou melhor joguei o que nunca foi meu.

Agora é dito abaixo, naquela época não
naquela época éramos belos
nos chamávamos de belos e sortudos
seres mágicos que mudaram o rumo
porque diziam que amar os pobres nada mais é do que amar a Cristo.
Cristo está na madeira

pregado em uma cruz [realizou muitos milagres]
pregado em uma cruz entre ladrões.

Meu pai, o pai de quem tudo procede
mentiu para mim?
Seus filhos, os apóstolos, vão contar.


MALEVA E AS CRIANÇAS NO PARAÍSO

Los únicos paraísos no vedados al hombre
Son los paraísos perdidos

J.L.Borges


No jardim
e mais ao fundo, aos olhos de Maleva
as crianças saltam das árvores.

Essas crianças puras como fomos
cobertas por fraldas branquinhas
saltam das árvores.
Mas saltam para morrer
para que esqueçamos.
E saltam rindo
porque desfrutam com antecedência
a dor que virá
o desespero que mais tarde
ou mais cedo
sucumbiremos todos.

A morte das crianças não está escrita.
Elas a prenunciam no capricho de seus jogos.
Ontem, ou há apenas um instante
ou duzentos séculos atrás,
as crianças imaginavam certos jogos
como numa nostalgia das crianças anteriores.
[Os primeiros, os últimos que retornam
para começar as filas
nada mais prenunciam, gritam
carne de múmia carne de múmia
queremos a cabeça do escudo.]
Quem finge ser o último.
Quem são os primeiros.

As crianças
há instante ou duzentos séculos atrás
entraram no jardim com papéis marcados.
Elas saltam das árvores.
Elas saltam.


CORPO PRESENTE

Esticada a corda
se desfia em sessenta flechas moribundas
em sessenta sonâmbulos vestidos
em um só
em um
em um corpo que cai

eu não quero morrer
eu não quero morrer
não vejo não vejo mais
são as moles de terra
as hastes elétricas do medo
a corrente do medo

neste buraco não percebo
não consigo ver não consigo
toda a minha força empurra essas moles de terra
que se afastam e voltam
voltam voltam

ninguém acode deus
ninguém está vindo
pai já sei que você está aí
me dê sua enorme mão antiga
me levante oh deus
virgem de cobre
rogo por ti os juanes
rogo por esse órfão que carregas

o buraco se abre
abra a boca onde estou
mas a água é tão limpa
é a água do brinde
para sua despedida em taças brancas
lembre-se pai
a muito tempo atrás
me dê sua mão antiga
eu não quero morrer
me dê o lírio a chalota do lírio
a raiz da terra
eu não quero morrer

oh as moles
retornam as moles pai
olha como me prendem de novo
em seu escabroso peito escuro
eu não quero morrer
sonho nu
sonho que não peso mais
pesam as moles
pesa a água
o céu é mármore pesa
feche a porta pai
que em paz descanse
em paz

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