Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils
Blanca Luz Pulido (México, 1956). Poeta, ensaísta e tradutora. Professora-investigadora da UACM, campus Cuautepec. Publicou, entre outros, os seguintes títulos de poesia: Raíz de sombras (Fondo de Cultura Económica, 1988); Reino del sueño (Aldus, 1996); Los días (Colibrí /Secretaría de Cultura de Puebla, 2003); Pájaros (Lunarena, Puebla, 2005); Materia habitada (Casa de Poesía, Costa Rica, 2007); La tentación del mar (UAM/La Cabra Ediciones, 2012), Cerca, lejos (Textofilia, 2013) e Poderes del cuchillo (Parentalia/FES Acatlán, 2016). Em 2014, o Fundo Editorial do Estado do México publicou Cerca, lejos. Antología personal (1986-2013). Como ensaísta, publicouUna familia de árboles. Reflexiones sobre los libros y la lectura (Rayuela, Guadalajara, 2011) e Cartas lusitanas. Notas sobre poetas y narradores portugueses (UNAM, 2012). De 2017 a 2019 foi bolsista do Sistema Nacional de Creadores de Arte del FONCA na categoria de tradução literária. Traduziu obras dos poetas portugueses Nuno Júdice, Ruy Belo, Ana Luísa Amaral, Rui Cóias, Fiama Hasse Pais Brandão e Manuel Alegre. Recentemente, a Diretoria de Letras da UNAM publicou uma antologia de seus poemas, na coleção “Material de Lectura”.
CIDADES CELESTIAIS
“Como acima é abaixo”:
assim olhei uma noite,
em campo aberto,
nas montanhas,
muito longe
das cidades que nunca são
completamente escuras,
as luzes de um povo
como estrelas
no meio da terra:
um céu ao nível do solo.
As estrelas lá no alto
convertem-se em cidades de luz infinita,
tão longe de minhas mãos
como as ruas adivinhadas
na distância,
mas semelhantes:
as ruas estelares
espelho das terrestres,
ambas brilhando,
junto,
cada noite.
LINHA DE SOMBRA
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio
quero estar sozinho!
Álvaro de Campos
Porque não quero ser ninguém
sou todos de alguma forma.
Minha figura se dilui
nas bordas imprecisas
de uma cidade que avança
ondulando por colinas.
Talvez fui mais do que pensava
e muito menos do que sentia;
mas nunca inapropriada,
agora sou uma fogueira de palavras
onde ficção e verdade se fundem,
e minha linha de sombra
se derrama na luz
de cada verso.
CARTÃO POSTAL, 1923
Paisagem e mulher em tons de cinza;
o mais claro, seu vestido.
A jovem de perfil
com o braço descansando
em um pilar de papel machê
do estúdio fotográfico;
ao fundo, um lago,
uma difusa construção de mármore,
e árvores e plantas tão irreais
como o pôr do sol.
Também tem o buquê
apoiado em sua mão direita
como se por descuido
alguém o teria colocado lá.
Chegou até mim o cartão postal
quase um século depois
que alguém planejou a cena
e arrumado cada objeto
antes de acionar a câmera.
Daquele dia permanece
um sobrevivente:
o sorriso da mulher de branco,
quase intuída
no meio de uma paisagem
estilo vagamente clássico.
VISITAÇÃO
Para Nuno Júdice
Bato na porta da estrofe,
três golpes discretos,
suaves,
tem alguém aí?
Saem com força
sílabas agitadas
que não querem
organizar-se em versos
e, rebeldes, negam
qualquer parentesco distante
com metáforas ou anáforas ou
nenhum outro truque retórico,
dizem;
e me informam
que pensam em sair
para passear ao ar livre.
Sair da minha cabeça,
é o que estão procurando
vagar soltas pela página
e viver
à sua vontade.
E como estou sozinho
uma figura imaginada por elas
obedeço e escrevo
o que ditam
para que não se esqueçam de mim
e me façam
desaparecer
MULHER COM CHUVA
Uma xícara de café começa o dia.
A lucidez e a paciência
pendem de seu aroma espesso.
Começo a sentir a matéria,
A perceber a luz
e a separar-me das sombras.
Costume, rito:
listar na imaginação
tarefas planejadas,
futuros imediatos.
Olho
pela janela aberta
a chuva matutina que molha
minhas ideias.
Cores desbotadas
instalam bandeiras tênues.
Entre os parênteses
que abre a chuva e o café
gostaria de ficar para sempre:
gota d’água
deslizando na janela.