5 Poemas de Claudia Vaca (Bolívia, 1984)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Claudia Vaca (Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 1984) é filha de Neusa Rosely Vaca Flores e é casada com Veranika Lis (tradutora de bielorrusso, russo e inglês, mestra de meditação e artes marciais). Claudia é poetisa, filóloga, mestra, pesquisadora em Educação e Estudos Interculturais. Criadora do Ethos lector e da pedagogia “Profes fuera de la cajá” (Professores fora da caixa). Colabora em várias universidades da América Latina com cátedras de escrita científica, escrita criativa, metodologia de pesquisa, pensamento crítico e seminários de tese. Claudia tem publicações nos gêneros de poesia, narrativa, ensaio e artigos científicos. Desde 2019, é membro correspondente da Academia Boliviana de Literatura Infantil e Juvenil (ABLIJ). É pesquisadora colaboradora na Faculdade de Tradução e Documentação da Universidade de Salamanca, Espanha. É palestrante convidada em diferentes universidades e centros culturais da Ibero-América. Sua obra literária e científica circula em diversas antologias de literatura e estudos culturais em formato impresso e multimídia.

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A luz da consciência não sucumbe neste bom punhado de poemas esculpidos, requintados e sonoros, que nos oferece Claudia Vaca, orgulhosa cruzenha de sua origem, que mergulha na Madre Selva para, de lá, anexar outros firmamentos telúricos ou cósmicos, outras mitologias além das ancestrais inerentes à Chiquitania e à Amazônia boliviana, outros instintos amorosos que estremecem, pois a partir de seus versos, ela reivindica uma libertação que quebra todos os limites, para que a mulher não chore lágrimas de condenada, agora já entronizada pela razão de ser um corpo aceso, amante e parceiro, poderosa realidade após mil anos de prostrações: “…tua presença abre o pano/ anotando a melodia do teu toque na pele/ inundando as metáforas/ numa luz maior…”

[…]

A oralidade é essencial para Claudia Vaca e isso é evidente quando ela lê os escritos que tem tecido ao longo de duas décadas em suas jornadas por aqui e por lá. Ela faz incisões nas próprias palavras, para assim evidenciar a dupla significação que elas adquirem no corpo do poema (leia-se, a título de exemplo, o poema Pozo), ou também estes versos: “…até chegar à mente do monte”, “…ao grito na gruta” ou “…Moinho moer cheirar”. Mas não devemos ficar apenas com essas âncoras visíveis na construção de seus poemas: o que nos deixa conhecer é produto de uma visão que se desdobra para dentro, a partir dessas certezas alcançadas à meia-noite, como vigia de um tratado que adia a pergunta dos corpos; até o diálogo permanente com os quatro elementos da natureza, presentes no vivo veludo de seus versos: água, ar (vento), fogo e terra se transformam em vielas com saída para aquilo que pensa, sente e intui nossa poeta, sem excluir sua perspectiva cosmológica ou a difícil relação com o fato religioso, mas na qual ela insiste: “…sinto que sou a última poeta com fé na fila”. Ou também: “…comungamos juntas na missa de cada domingo/ só Deus nos entende e nos aceita”.

Alfredo Pérez Alencart


A VOZ DA NEBLINA

Num mesmo corpo
se abriram as fendas de uma história
cortou-se a abertura das bocas
costuraram-se os ossos
com agulha de coragem
em fios de liana
vestimos nossos pais
deixamo-los ouvindo a neblina do lago.


PAUSA

A vitória do Ensō nos presenteia colheitas
sobrevoa a maturidade dos frutos
                  tendendo pontes entre mortos e vivos
                  até escolher a estação para nascer
                  subir ao cosmos
                  viver aqui e agora
                  […]
uma vida que se pareça com a felicidade
                                 temos campo para ela.


A RESPIRAÇÃO DAS RAÍZES

Somos o lago sobre o qual se refletem as árvores
Somos a folha sobre a qual repousa o vento
Somos os campos cultivados
                 a colheita compartilhada
                o olhar aceso
                a respiração das raízes.


RAIZ DO TEMPO

Convido-os a ler as marcas entalhadas
na pele destas árvores
nas grutas
junto ao grito do vento
                na pele de cada réptil
                a geopoesia
                nascida nas minas poéticas de Mundy
                a boca do voto em Zamudio.
Convido-os a pastar junto às ovelhas de Pessoa
a banhar-se nos cantos de Otero
beber o pranto de Saenz e Pizarnik
vestir as joias de Santa Teresa de Jesus
agasalhar-se com os versos de Sor Juana Inés de la Cruz
                 nadar nas trevas de seus silêncios
encarar de frente a raiz do tempo.


AR

Fogo diz:

— Torna-te ar em meu alento e que o tempo transcorra lento aqui em meu terceiro olho, sem nada nem ninguém que nos contenha ou detenha o tremor, que fale o vento e me incendeie por completo aqui na eternidade deste olhar.

Vento diz:

— Sopro, voa, incendeia tudo à tua passagem, que uma inundação tão grande nadaste sozinha.


Ar: É momento de viver no olho da água.

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