Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía
Cristina Pérez Díaz (Porto Rico, 1985). É editora fundadora da The Puerto Rico Review e atualmente trabalha em sua tese de doutorado no departamento de Clássicos da Columbia University.
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Os poemas da jovem e talentosa Cristina Pérez Díaz alimentam-se da fragmentação de um mundo vertiginoso que oferece uma musicalidade estridente aos sentidos. O tempo e a memória desempenham um papel fundamental na sua poética, não como meras evocações, mas como pontos de partida para a reflexão e a contemplação (muitas vezes interrompida pela efervescência verbal) de um mundo saturado de memórias e de presente. A sua poesia é um exemplo claro dos limites que a nossa geração procura transcender, sempre um além, sempre uma fome insatisfeita. Cristina Pérez Díaz nasceu em Porto Rico em 1985. Ela está fazendo doutorado em filologia clássica no Centro de Pós-Graduação da City University of New York, onde se especializou em teatro grego e romano. Ela é formada e mestre em filosofia pela Universidade Nacional Autônoma do México. Escreva para www.cristinaperezdiaz.com.
JAIR CORTEZ
DESEMBARAÇADO DAS FITAS
de cor azul, porque eras criança, criança,
ou num dia com mais luz no outono.
Uma vez aberto e rasgado o papel
com estampas de balões, cavalos, linhas,
era uma múmia.
Não se parecia com as múmias.
Pode ser um dia para um morto,
no teu aniversário, no nosso casamento, num dia incerto:
A caixa.
Eu a coloquei nas tuas mãos,
não acreditarás nos nomes
com os quais viajaram de barco a um porto
onde alguém morreu, um dia,
um irmão,
alguém, um deus criança,
fez estrelas com suas lágrimas.
Colocaste as palmas das mãos em posição de oferenda,
à qual chego, eu,
sem dinheiro, sem lanças, sem incenso.
Chego com papel.
Como se tivesses treze anos, tinhas
treze anos,
menino de Bar Mitzvah com chapéu
parado no topo das árvores
procurando a emoção
de receber um reino em uma caixa:
Não importa o conteúdo, o contêiner é mais
do que a fé imprecisa com suas cores vibrantes
com seu papel te amo,
que através dos desenhos, das fibras,
absorveu uma vez a chuva nas árvores
como se sobre essas árvores eu tivesse rido
na tua Natal,
judeu sem presentes.
Aqui está a floresta
embora na caixa eu tenha colocado uma camisa
com palmeiras tropicais
eu te levarei para o Caribe à noite
o sol danifica as células
as células transportam variações…
Prometo solenemente num vale
te amar quando um vale se abrir no quarto
com cristas de floresta salpicadas de laranja
rosa, amarelo, existem
em entardeceres de cartões postais.
Viramos a câmera,
os rostos o negativo da lembrança disso
do que vimos,
sim, vimos,
olha,
tem um pinheiro no teu olho.
Eu tinha me encharcado da lama que os teus pés respingaram,
lambeste minha bochecha enterrada,
fizemos bolos de lama para o jantar.
Cada caixinha ficou suja,
Há papéis que envolvem com melhor fragilidade
o que não se coloca no pacote.
Obrigado, disseste,
desculpa para me dar um beijo
que eu maquiei com blush de primavera.
[TAMBÉM UM DIA TIVE MEDO DA MORTE]
Também um dia tive medo da morte
mais da tua do que da minha
asseguro a distinção e falha
a linha da vida na palma da tua mão
eu troquei por um rio
mais longo, para começar uma etnia, disse
na tua direita junto a um vale uma fenda
o tempo
se condensa na volta
do que esperamos
ou passa
pelas veias se estiverem
vazias de espaço
a voz vai em rotações
terra, não são justos os sinônimos:
se eu digo terra, eras um rio
rugas nas mãos e um mapa de uma civilização
entalhando-se nas tuas palmas
[COLOCO UMA FORMIGA NO TEU PESCOÇO]
Coloco uma formiga no teu pescoço
antes já nos tornamos pó.
O movimento de suas patas
curtas e finas
roças com as pontas dos dedos um pinheiro
como se as folhas fossem facas
impossivelmente leves.
Neste quarto verde, o Natal será.
[FOI COMO TE DAR TODOS OS PRESENTES]
Foi como te dar todos os presentes
bem se diz há muito tempo que o todo
é maior que a soma das partes
amei-te como se amam os lugares-comuns
pareceste-me um deus
entrando triunfante na guerra:
as oferendas, os despojos, muitos mortos
[FUNCIONA A ALITERAÇÃO DAS ASAS]
Funciona a aliteração das asas
a inclinação precisa do bico em relação ao solo
a relatividade das leis
da gravidade e de tudo
É um conjunto coerente de penas o mundo.
Observo
um tipo de pássaro comum, sem residência fixa
visitante em todas as épocas do ano
na costa e nas florestas, ele canta
conforme o humor
as nuvens, a política.