5 Poemas de Jaime Sabines (México, 1926)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Agradeço que o governo da República me outorgue o Prêmio Nacional de Linguística e Literatura deste ano. Sei que é a joia mais alta e a distinção mais importante que pode receber um poeta no México. Trouxe minha família e meus amigos para que sua emoção seja simultânea à minha e para que, nos dias que virão, sua lembrança seja a mesma.

É claro que um poeta não escreve para receber prêmios, porém se estes chegam, que bom! O poeta escreve por necessidade fisiológica, por necessidade ontológica, por fatalismo. A poesia, mais que uma vocação, é um destino. O poeta fala da vida e sabe que a vida não é um concurso.

Por mais que queira o poeta safar-se da poesia, não pode fazê-lo. A poesia o apanhou para sempre. E quem é, afinal, esta senhora que manipula os homens como escravo, ou cavalos atrelados, ou simples agulhas com que tece seus tapetes de ouro?

A poesia é o descobrimento, o resplendor da vida, o contato instantâneo e permanente com a verdade do homem. A poesia é uma droga que foi tomada uma vez, um conhecimento de bruxas, um veneno vital que deu outros olhos ao homem e outras mãos, e lhe tirou a pele para que sentisse o peso de uma pluma.

Quero dizer com itso que o poeta é o condenado a viver. Não há distração possível, não há diversão, não há possibilidade de sair do mundo. Tudo deve ser escrito, tudo deve se fazer constar. O poeta é o escrivão a serviço da vida. E isto é, muitas vezes, odioso e repugnante. É que fiz amor somente para falar do amor? Me enamorei das árvores e do vento somente para falar do campo? É que morreu meu pai e morreu minha mãe e morreram meus amigos porque era necessário que eu falasse de morte e estivesse sugando de seu tubo infinito?

A esta condição de instrumento, de simples instrumento, o poeta não se resigna. E dali vem sua peleja contra os deuses e o destino. E quer comodidade, porém não tanta, e deseja a sensatez, porém a despreza, e pede a prudência na assembleia de loucos. Contradição, incerteza, reunião de opostos, é o poeta, unidade verdadeira e profunda.

A liberdade! Toma tua liberdade, me disseram, para ver o que fazes com ela. Então fui livre em duas dimensões e até mesmo em três, como todo homem, fui livre e fui feliz. Porém minha liberdade de poeta ainda não alcança a quarta dimensão que é o silêncio.

Me dou conta de que isto é o que vocês desejam neste momento: como não alcança logo a quarta dimensão e se cala?

Obrigado pelo prêmio, senhor Presidente.

Obrigado a todos.

JAIME SABINES / Discurso ao receber o Prêmio Nacional de Literatura. México. 19/12/83.


ALI HAVIA UMA MENINA

Nas folhas da bananeira um pequeno
homenzinho dormia seu sono.
Em uma lagoa, luz na água.
Eu contava um conto.
Minha mãe interminavelmente passava
à nossa volta
No quintal brincava
com um galho um cão.
O sol – que sol, quão lento –
se estendia, estava tão quieto.
Ninguém sabia o que fazíamos,
ninguém, o que fazemos.
Apenas conversávamos, nos movendo,
indo de um lado para o outro,
os tropeiros, a aranha, nós, o cão.
Estávamos todos em casa
sem que eu soubesse o motivo.
Estávamos. E logo o silêncio.
Eu já disse quem contava um conto.
Isto se deu certa vez porque recordo que se deu.


CÁSSIDA DA SEDUTORA

Todo mundo te quer, mas ninguém te ama.
Ninguém pode te amar, serpente,
porque não tens amor,
porque estás seca como palha seca
e não dás frutos.
Tens uma alma como a pele dos velhos.
Resigna-te. Não podes fazer mais
senão acender as mãos dos homens
e seduzi-los com as promessas de teu corpo.
Alegra-te. Nessa profissão do desejo
ninguém como tu para fingir inocência
e enfeitiçar com teus olhos imensos.


EU SOU MEU CORPO

Eu sou meu corpo. E meu corpo está triste, cansado. Eu estou me preparando para dormir uma semana, um mês; não falem comigo.

Que quando eu abra os olhos terão crescido das crianças e todas as coisas sorriam.

Quero deixar de pisar no frio com os pés descalços. Joguem sobre mim tudo o que tenha calor, os lençóis, os cobertores, alguns papéis e lembranças, e fechem todas as portas para que minha solidão não vá embora.

Quero dormir um mês, um ano, adormecer. E se eu falar enquanto durmo, não me deem atenção, se eu falar um nome, se eu me queixar. Quero que finjam que estou enterrado e que nada pode ser feito até o dia da ressurreição.

Agora quero dormir um ano, só dormir.


[ME TENS EM TUAS MÃOS]

Me tens em tuas mãos
e me lês como um livro.
Sabes o que eu não sei
e me contas as coisas que eu não digo a mim mesmo.
Aprendo mais contigo do que comigo.
És como um milagre de todas as horas,
como uma dor sem lugar.
Se não fosses mulher serias meu amigo.
Às vezes quero falar contigo sobre mulheres
que ao teu lado persigo.
És como o perdão
e eu sou como teu filho.
Que bons olhos tens quando estás comigo?
Quão distante te tornas e quão ausente
quando eu te sacrifico à solidão!
Doce como o teu nome, como um figo,
me esperas em teu amor até que eu chegue.
És como a minha casa,
és como a minha morte, meu amor.


[TEU CORPO ESTÁ AO MEU LADO]

Teu corpo está ao meu lado
fácil, doce, quieto.
Tua cabeça no meu peito se arrepende
com os olhos fechados
e eu olho para ti e fumo
e acaricio teus cabelos com amor.
Esta ternura mortal com a qual fico calado
está te abraçando enquanto eu tenho
meus braços imóveis.
Eu olho para o meu corpo, a coxa
onde repousas o teu cansaço,
teu peito macio escondido e apertado
e a respiração baixa e suave de tua barriga
sem meus lábios.
Eu te digo em voz baixa
coisas que a todo instante invento
e fico muito triste e sozinho
e te beijo como se fosse teu retrato.
Tu, sem falar, olha para mim
e se agarra a mim e chora
sem lágrimas, sem olhos, sem medo.
E eu fumo novamente, enquanto as coisas
começam a ouvir o que não falamos.

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