6 Poemas Cecilia Lage (Uruguai, 1986)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Cecilia Lage (Montevidéu, Uruguai, 1986). Foi publicada em diversas revistas culturais. Antologada em Me Usa, Brevíssima Antología Arbitraria Perú-Uruguay (Paracaídas Editores: Peru, 2012), Antología de Poetas Latinoamericanos (Editorial Imaginante: Argentina, 2015), Poeminas, Memorias en Verso acerca de ser Mujer (I.M.M, 2015), Muertos de Amor y de Miedo” (Ediciones de la Terraza: Argentina, 2016), La Nouvelle Poésie Latino-Américaine (Sin Licencia Editorial: Paris, 2017). Seu primeiro livro de poesia chama-se Verlo Todo Con Ojos Animales (Ed. Gran Vida: Bs As, Argentina, 2014). O seguinte: Llévame al agua (Ed. Astromulo: Montevidéu, Uruguai, 2022).


[ENTRE O FRIO E O ZUMBIDO SECO]

entre o frio e o zumbido seco
do meu ouvido esquerdo
penso nos deveria

deveria estar corrigindo
algumas poesias
deveria estar fazendo
algo útil com meu tempo
mas o que é útil senão
o funcional ao agora mesmo
que é um agora que se apresenta
bastante amável
depois do vento de ontem
que levou minhas vontades de fazer

não entendo isso de fazer
com o tempo
já está feito,
não há nada a fazer
além de ser
mas parece que esqueço
e me perco em labirintos
mentais
entre o ruído da geladeira
que não para de zumbir
e os lindos olhinhos da minha cachorra
que me olha de repente
e parece me conter

ela não precisa de palavras
pois tem o ser
vê o que não vou ver
acho que encontrou
o caminho do meio
ou talvez isso me pareça
quando ela faz um moinho
com seu corpo
e se deita na cama
ou quando sai para o pátio
e não late para os outros cachorros
que latem para ela
ela só sai
faz o que tem que fazer
e volta

penso nos como
e nos deveria,
mas o que realmente
eu gostaria
é ter encontrado um sentido
para essa contratura
que pousa como um pássaro
contente por ter encontrado
seu ninho
na minha cervical esquerda

o que realmente
eu gostaria
é poder abrir meus sentidos
e que o pássaro me cante
e que meu pai me conte
como está tudo lá
naquela nova forma
naquele novo estado
não tão novo
(já se passaram dois anos)

mas o que é o tempo
senão tempo
a angústia é outra coisa
e seu ninho está no peito

o que realmente
eu gostaria
é dormir um pouco
e não pensar nos deveria
ou melhor ainda
me libertar do samsara
ou deixar incompleto
isso que escrevo

porque assim é a vida
há de tudo
e é inconclusa
talvez esse não tenha
sido o melhor exemplo
porque se há algo
que conclui é a vida
(como a conhecemos)
ninguém sabe nada
eu não sei de nada

me refúgio em um livro budista
e olho a chama do fogão
e me sinto muito poeta escrevendo
da cama
mas nunca faço disso
contar com os dedos as rimas

a geladeira zumbindo novamente
e me perco em explosões mentais
vou deixar tudo incompleto
(há algo nessa energia que me atrai)
porque o incompleto
traz consigo a possibilidade de algo mais
de algo diferente

amanhã será outro dia


RITO AQUÁTICO VIII

uma sensação de solidão
abraça o corpo
dialoga com minhas sombras
me fazendo acreditar que o tempo
se detém apenas para mim
me mostrando o que não devo ser
ou o que deveria ser
ou o que deveria estar fazendo
para poder ser

o que a solidão parece não
entender
é que estou aqui
inteira
decidida a romper pactos
enquanto toco meu nariz
nervosa
por não poder colocar em palavras
tudo o que sinto


RITO AQUÁTICO II

em cada ondulação
se forma o rito desta viagem
(a terra está tão distante quanto pode ser)
a água é um colchão que me sustenta
a mim
que agora falo com o sol
e este me diz:
a vida você viveu como pôde
e isso está bem
agora com a forma do seu corpo
(e ao longo deste oceano)
moldará a energia que forma os ciclos
para a ventura
do seu próprio encontro


RITO AQUÁTICO XIII

declaro morrer
ao velho padrão
da alma triste
vejo-me nascer
com o coração aberto
sou minha própria mãe
meu próprio parto
sou
uma busca
latente


RITO AQUÁTICO XIV

já não está a voz
que arde e grita
vejam a forma da forma
deste coração estreito
apertado de choros
não desejados
de olhos que olham
para o outro lado
de necessidade de formas
de palavras
de morfemas sentenciados
pelo desejo
já não corre a amargura
devota das palavras
dos versos não encontrados
do fracasso não esquecido
já não sobrevoa a existência
como a dúvida
que se olha completamente
e não sabe como ou quando
se desarmar
agora sobrevoa a existência
como a imperatriz
que se olha completamente
e sabe como e quando
habitar


RITO AQUÁTICO IV

o pôr do sol
traz consigo uma lembrança
um choro desesperado
como a menina que fui
aquela que chora em cada foto familiar
um aperto de mãos como flores
a duas irmãs como dois sóis
que adotam a forma deste oceano
onde choro

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