Curadoria e Tradução de Gladys Mendía
Davina Pazos (Equador 1973, radicada na Espanha desde 1996). Em 2006 ganhou o prêmio Ernestina de Champourcín com o poemário Lo que más me duele es tu nombre, livro que marcaria o ponto de partida de sua obra poética e seu selo pessoal. Pazos cria personagens, se identifica com eles e é capaz de adentrar em sua psicologia, ou seja, seus tormentos ou paixões para dar-lhes a voz poética com a qual conseguem existir. Se deve haver um tema principal em sua obra, é a paixão de cada personagem: o horror da mãe que fala com seu filho morto, o desespero de um fantasma ao tentar que sua amada o escute, a paixão com que o assassino em série relata seus crimes, a sensualidade e erotismo de uma mulher que desfruta de seu corpo e de seu amante, o alcoólatra disposto a viver a qualquer preço…
AMOR QUE NÃO NASCEU
Bom dia,
amor que não nasceste
para saciar o teimoso
afã da minha cintura;
bom dia, filhote que não comes
o incêndio que sou
nem bebes da minha sede
nem ruges meu rugido.
Bom dia;
minhas carícias te escrevo,
amor que não nasceste
para chorar tua espalda estremecida
das minhas unhas,
do passo tempestuoso dos meus desejos.
Grito desesperante de tristeza
que sai deste ninho
de vespas que é minha boca.
Amor que não nasceste
a cavalgar minha garupa,
a desmaiar meu umbigo,
amor que não despertas na minha cama,
que não molhas meu nome,
que não enches minha boca
com teu nome…
amor que não nasci para te ter.
SE DEIXASSE MEU VÍCIO
Se deixasse meu vício, o que seria,
onde iria parar, com que cretino,
que tardes negras,
que noites invadidas de silêncios.
Espanto de chegar a qualquer mão,
ao peito que não sabe de ressacas
e bate como bate uma matilha
de cães mortos.
Meu vício, se o deixo, que ousadia,
que sangue empoleirado nos desejos
sentiria falta; náufrago de mim
e eu sem vício
cabeça de uma estátua enferrujada,
eu braseiro, sem ele, sem brasa,
que coisa simples, eu, se não o tenho,
onde iria parar, com que cretino.
HENRI
A Henri Beyle. Stendhal
Quem te diz que não era eu
para ti e tu meu prometido,
que meus dentes não estavam
para defender teu riso
e que minha voz não era
com sangue dos lagos de Salzburgo
cristalizada
e depois quebrada de dor
e de novo cristalizada
na informe presença
de um nós.
Todo o sal está agora
acumulado nas prateleiras dos olhos
porque estes nossos olhos, Henri,
que não se conheceram
se conhecem este dia, com este sol,
com estas nuvens de espanto;
e estes lábios
que nunca se beijaram se desejam
por trás dos rumores
desta brisa que treme.
Para que nos beijemos
é preciso um cataclismo,
talvez amanhã
onde já não restem rastros
do que habita teu espelho
e minha alma seja a forma da tua alma,
a grande forma da tua alma que se queima
e padece se não arde.
Os cães nos destroçam, Henri,
como se tivessem medo de nós,
saiamos, pois, ocultos
por trás de uma máscara de ouro
com bordas de sombras
e deixemos que mordam ilusões.
Vou fingir que sou uma rainha
vinda de um país distante
para me unir à tua espera,
longe do ruído, das luzes,
das presenças que rompem o sublime.
Se ficarmos,
não te surpreendas se um dia destes
quiserem nos despir
e não gostarem do que encontrarem.
Tranquilo, Henri,
será que é muito Amor
para os cães.