8 Poemas de Rosa Chávez (Guatemala, 1980)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Rosa Chávez (1980, Maya K’iche’ Kaqchiquel). Publicou os poemários Casa Solitaria (2005), Piedra Abaj’ (Guatemala, Costa Rica, Nova Iorque 2009/2019), O coração da pedra (Venezuela 2010), Quitapenas (Guatemala 2010), AWAS segredos para curar (Guatemala 2014), Fanzine Abya Yala (Guatemala 2017). Sua obra aparece em várias revistas, peças de teatro, memórias e antologias de poesia na América Latina, Europa e Estados Unidos. Parte de sua obra foi traduzida para o inglês, francês, alemão e norueguês.


1.

As pedras fomos marcadas com ferro incandescente
queimados os nossos olhos
vimos com o olhar virado
buracos negros
engolindo-nos na infinidade
a morte roía nossa desgraça
seu cão lambia nossas feridas
cuspindo
nossa consciência dilacerada
o sabor da terra já não era o mesmo
as frutas caíam antes de amadurecer
escondidas, crescíamos
gota a gota nas profundezas das cavernas
assim fomos envolvidas pelo silêncio
do grande começo.


2.

Nos tiram a cabeça e o coração continua batendo
nos arrancam a pele e o coração continua batendo
nos partem ao meio e o coração continua batendo
bebem nosso sangue e o coração continua batendo
somos criados para bater sem descanso.


3.

Deixo abandonada esta pele que já não me pertence
esta pele abandonada testemunha de outra morte
alguém encontrará minhas escamas rígidas no coração das sombras
alguém me arrancará três presas para sua medicina.
Voltarei então a me parir de olhos abertos
voltarei a cicatrizar como larva de fogo
voltarei a esticar minha língua para fazer cócegas no passado
já não sou esta pele abandonada
contraio os músculos com dor
estou nascendo.


4.

Onde quer que estejam meus ossos,
meu coração é o altar permanente para meus mortos,
ali há sangue quente que jorra como mel para suas bocas
carne macia para que apoiem suas cabeças
ali há cavernas onde acender a fogueira
em meu coração meus mortos voltam à vida
cada batida me diz nomes,
cada batida não esqueceu
mesmo que minha memória tenha querido ser apagada
meu coração é uma tumba pintada de cores
onde as ausências brilham e voam com o vento
este coração que recorda suas mortes sem remorsos
estas batidas que se inclinam
lembrando os pés que não voltarão a entrar em casa
e haverá choro porque o sal purifica as lembranças
mas também haverá música estridente
que ressoará nos ouvidos do outro lado da vida
e gargalhadas ao redor da comida
porque a casa dos mortos
são os corações daqueles que os lembram.


5.

Nas linhas de nossas mãos está escrita nossa ternura
ali brota a doçura da cana
nessas linhas veremos crescer os milhos e as espigas
marcado está a lua e o lugar para nos comermos deliciosamente
como suaves tortilhas curadas pelo fogo.


6.

O espírito se vai se não o cuidamos
pega seu próprio caminho se se incomoda
toma sua própria medicina se se enferma
vai-se como se nada, cruzando o mar
não diz adeus
afasta-se sem remorsos,
sem culpas
em sua ausência
deixamos de ser sagrados
tornamo-nos algo sem nome.


7.

Às mulheres desaparecidas,
massacradas e às que dão
seus testemunhos de sobrevivência.

Me taparam a boca
agora grito a verdade,
afogaram meu pranto
agora sorrio às gargalhadas,
amarraram minhas pernas
agora danço até esgotar meus ossos,
me cortaram as veias
agora celebro meu sangue,
pisotearam meu rosto
agora os encaro de frente,
me mataram milhares de vezes
agora sou uma em muitas e me multiplico,
devoraram minhas carnes
agora EU sou a história que os morde.


8.

Que meu coração floresça quando deixar de bombear tinta vermelha, que lhe saiam espinhos pequenos e flores amarelas, que o pintem com nij e façam desenhos de animais e pássaros bicéfalos.
Que meu coração se desfaça na terra e cresça em uma árvore de pinho, que veja pelos olhos de uma coruja, que caminhe nas patas de um coyote, que fale no latido de um cão, que se cure no quartzo das cavernas, que cresça nos chifres de um veado.
Que meus corações sejam amarrados com uma serpente de cores para que não se confundam de dona, para lhes dar sinal, para voltar a encontrá-los no caminho de aqui a outros mundos.

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