Curadoria e tradução de Floriano Martins
– Como era ser jovem em 1960? Acho que não havia uma consciência total de que estávamos recebendo frutos do governo passado, mas aproveitamos. Aproveitamos em um estabelecimento público onde tínhamos um jornal impresso, um jornal de rádio, um laboratório, um salão de assembleias onde vinha gente importante para nos dar educação estética. Minhas professoras de teatro foram Matilde Montoya e Norma Padilla. Chegava o Víctor Hugo Cruz, então tão jovem como nós, e fazia recitais de poesia. Ele gostava de vir e declamar Lorca, Neruda. Nós gostamos disso. Além disso, os professores, principalmente os que distribuíam literatura, organizaram atividades para nos encontrarmos. Foi assim que escritores e jornalistas chegaram ao INCA para dar palestras. Por exemplo, todos os jornalistas de El Imparcial chegaram. Essa foi a fortaleza dos grandes escritores da Guatemala. Lá estavam eles, lá trabalharam. Houve um movimento muito interessante. Talvez não tenhamos percebido isso com real importância na época, mas gostamos.
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Qual foi a sua primeira postagem?
– Já estava na época do Novo Signo. Chama-se Barro Pleno. É uma das pranchas que o Francisco [Morales Santos] publicou. Ele é o verdadeiro autor deste grupo. Sempre disse que o Francisco adora antologias. Ele fez não sei quantas. Ele fez uma espécie de antologia conosco e nos reuniu. Ele era um pequeno motor. Dizia vamos fazer, vamos publicar, vamos ler, vamos nos avaliar… Naquela época eu tinha 20 ou 21 anos e era a mais nova de todos. Julio Fausto Aguilera já era poeta. Antonio Brañas e Luis Alfredo [Arango] já tinham uma carreira literária mais sólida. Também o Francisco, que veio de La Antigua e foi ele que dirigiu tudo.
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Como foi fazer poesia nas décadas seguintes, nos anos setenta, nos anos oitenta?
– Bom, tivemos o tempo dos anos sessenta, quando o grupo foi estabelecido e um trabalho inicial foi feito por todos. Depois tem um recesso e depois vem a parte grossa dos anos oitenta. Era uma necessidade de fazer poesia, uma necessidade de purificar-se ao máximo e preservar a obra ou publicá-la. No caso do Francisco, ele nunca parou de publicar, é muito consistente. É muito forte. O mesmo é Luis Alfredo ou José Luis Villatoro. Eram poemas dedicados a questionar a situação, mas belos ao mesmo tempo.
Agora me lembro de Juan Fernando Cifuentes. Ele era um militar que finalmente estudou Letras. Ele era outro tipo de pessoa. Ele dirigiu muito. De uma posição no Exército, relações públicas ou algo semelhante, ele apoiou com revistas. Quando foi nomeado no National Typography, fez um trabalho incrível. Um dos que lá trabalharam foi Luís Alfredo, que se sentiu liberto porque veio do trabalho com publicidade. Nessa fase, Juan Fernando atuou com grande generosidade. Na verdade, é um dos fundadores do Prêmio Nacional de Literatura. Foi um grande apoio.
DELIA QUIÑÓNEZ // Fragmentos de uma entrevista concedida a Jaime Moreno.
CARTA DE EURÍDICE
Não chores, Orfeu,
a fragrância perdida do meu corpo
ou a cama dobrada de desejos
onde o tempo foi videira e espiga pressurosa.
Não chores ou lamentes
a umidade ausente
onde costumavas recriar tua estrela viril
e abrigá-la em meio a rumores da relva.
Não chores,
afunda na ferida
que estava apenas esperando por tua adaga.
Não me procures nas trevas
porque somente na luz eu me aproximo
do motivo da tua música
e somente nela sou música,
orvalho tempestuoso,
fogo que busca teu calor,
a sede de tua água,
o mel do seu favo.
Não chores por mim, Orfeu:
devolvas-me à luz
antes que outra serpente
devore a curva de meus seios
e se afogue no centro
onde agora floresce o feitiço de teu canto.
***
CONTRA A LUZ
Envoltos em sombras
avançam
olhos,
luz
e eternidades.
A balsa ancora
sua lucidez imóvel
na proximidade do paraíso.
Agora
contra a luz
navegam ecos nebulosos
e algas retentoras de silêncio.
Pasto etéreo
brota
no esquecimento das folhas.
Aves de passagem,
veleiros indecisos
crista e estuma
eclipsam sua dourada epifania.
Entrada no tempo:
clareza ardente
navega em mar aberto.
***
CARTA DE DÁNAE
Querido:
Recebi a tua chuva de ouro
embrulhada em pergaminhos seculares.
Embora não trouxesse remetente
ou fragrâncias de mares ou florestas
eu sabia que ela vinha de ti
assaltando o tempo
para cruzar abismos
e desliza, vitoriosa,
em uma eternidade desconhecida.
Cálida,
Sem saber que acalmava
uma sede indecifrável
e que gota a gota
transformava a caverna núbil
em prados e pomares.
Porém não me envies mais, querido,
nenhuma chuva de ouro
porque não há mais pergaminhos
que aos séculos possam resistir
e na caverna núbil
a luz poderia transformar em pedra
o ouro de tua chuva.