Tafari, O Imigrante – Poemas de Porfirio Salazar (Panamá, 1970)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Porfirio Salazar nasceu na cidade de Penonomé, província de Coclé, em 5 de março de 1970. É formado em Ciências Jurídicas e Políticas (1993) e mestre em Direito Processual (2006), ambos pela Universidade de Panamá. Atualmente atua como Defensor Público do Sistema Penal Acusatório de Coclé. Publicou: Selva, Guitarra de fe, Ritos por la paz y otros rencores, La citara del sol, El viaje de la desnudez, Soles en la luna del cantor, La piel en la llama, El fuego despierto, Cenizas en mi sueño, No reinaran las ruinas para siempre.


TAFARI, O IMIGRANTE

I.
Toldos, bugigangas,
um beliche, um catre, tudo junto,
uma câmera Kodak,
um celular barato da marca blue,
e no apartamento,
longe das lojas de moda e coisas “in”,
sua pocilga europeia.

Quem dividiu a terra
entre miseráveis e afortunados?
Vagando pelas ruas de Roma
vi pessoas negras, lírio do deserto,
insone estrela no abismo de não ter mais luz,
apenas emboscadas, apenas fuga
no amanhecer do pão sem guerra.
Mas estar na casa dos outros tem seus espinhos,
e nem sempre somos peixes em grato mar.

II.
Tafari veste os trapos do intruso
e na alegria de escapar
é torturado por trinados de desprezo
que sempre o lembram:
“regresse.”
(Emprestado em outra casa,
da qual não tem chave nem se sente dono).
Somos todos imigrantes,
somos a mala da viagem,
o trapo da mortalha,
o passaporte vencido,
o boleto vencido,
o alarme que toca, a impressão digital,
o número de identificação,
o fogo que dorme:
minha esperança é dilúvio no destino
que nos fez escapar de pátrias pobres
e guerras santas.

III.
Na minha pátria há imigração,
eles vêm de perto e são raízes,
vêm de terras polidas em âmbar
e no néctar do inverno.
Na minha pátria há páramos que fogem,
que perderam o dom dos abraços,
que só provam salmoura de rancor
e louro da incerteza.
Também se vê fugas,
carícias desoladas, beijos impossíveis
que fogem do abatimento.

IV.
É hora de abrir portas onde houver muralhas.
É hora de abrir jardins onde houver desertos.
É hora de contar a areia até juntarmos
e construirmos o “eu” ou o “nós”,
longe do nada e daquela morte lenta
de um anoitecer
que cai em pedaços.

V.
Fugimos por causa da fome, fome de ser que foge,
fugimos pelo destino e pelo mar,
fugimos por batalhas contrariadas,
a panela vazia às vezes foge,
fugimos sem feijão, fugimos sem bandeiras,
apenas com o nome de um país quebrado ou luminoso,
fugimos de casa e estamos livres nas ruas,
morno atordoamento de não saber que pedra cairá sobre nós amanhã.
Fugimos de nós, fujo de mim e de ti,
ceifador de vento,
foges de ti mesmo.

VI.
Essa mulher e sua cesta de empanadas
que viaja em uma cabra de Garicín
para meu povoado
embala o mesmo sonho
daquele senhor desconhecido
que estava viajando no trem de Veneza?
Quem alimenta a esperança de Deus
e o céu azul?
Há algo esperando por nós
ou é o dia prometido
já não existe?

Teço por horas o dia todo,
mas os dias se destecem
quando alguém vive e foge,
quando fugimos e acreditamos
que outra vida nos espera
e outro nome, e outros sinais,
e outras chuvas.
Teço novos caminhos,
esqueço a cifra,
sem abandonar meus passos.

VII.
A tristeza não faz viagem,
sempre espera
em sua caverna
sem mover suas luas,
fixa em seu centro como o frio,
sem pensar nas causas,
os efeitos
e o trajetos
entre sombra e sombra.

A tristeza era uma casa à beira-mar,
era a nevasca, a ode e o poema,
aqueles passos que morrem nos umbrais,
finitude da sombra, do gelo
como uma pedra e no fogo ardia.

VIII.
Nunca mais te verei,
Tafari da Nigéria.
Não saberás da minha fugacidade
nem saberei sobre teus invernos,
só podemos
nos encontrar na ideia
de que existem asas livres
que viajam de pedra em pedra,
de pedra no rio,
destino de mundo
no deleite do sol,
nesta vontade de impor caminhos
que nos obriguem
a nos encontrar.

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